quinta-feira, 2 de junho de 2016

Campanha defende desativar barragem nos EUA contra seca

A barragem de Glen Canyon, na divisa entre os Estados de Arizona e Utah, acabou de ser construída em 1963; seu reservatório levou 17 anos para ficar cheio (Ben Knight/Patagonia)  

Comprimido entre o Arizona e o Utah, a menos de 32 km (rio acima) do Grand Canyon, um paredão de concreto bloqueia o fluxo do rio Colorado. Ali, na barragem de Grand Canyon, o rio é forçado a voltar sobre ele mesmo, afogando mais de 322 km de desfiladeiros vermelhos e substituindo as corredeiras do rio Colorado por um imenso lago de água parada chamado lago Powell, a segunda maior reserva hídrica do país.
Quando a barragem foi construída, os projetos de barragens gigantes prometiam livrar o Oeste americano de seu maior problema: a escassez crônica de água. Essas maravilhas da engenharia controlariam rios selvagens, gerariam energia elétrica limpa e barata e possibilitariam a criação de reservas de água, necessárias para a geração de uma economia florescente no deserto.
Hoje, porém, há sinais de que essa e outras grande barragens já esgotaram sua promessa.
O clima do Oeste americano está mais quente e seco, e muitas das barragens mostraram ser menos eficazes que seus defensores esperavam. Elas modificaram ecossistema, afetaram pesqueiros negativamente e legaram dívidas aos contribuintes.
Muitos dos reservatórios criados por essas barragens perdem centenas de bilhões de litros de água a cada ano para a evaporação e, em alguns casos, por vazamentos para o subsolo, agravando a crise hídrica do Oeste.
“O sistema do rio Colorado está mudando rapidamente”, disse Daniel Beard, ex-comissário do órgão federal Bureau of Reclamation (que cuida da gestão dos recursos hídricos), responsável pelas barragens. “Precisamos rever os preceitos fundamentais de como administramos o rio.”
Beard e outros dizem que é hora de desativar uma das maiores barragens, a de Glen Canyon.
A barragem de Glen Canyon acabou de ser construída em 1963. O reservatório levou 17 anos para ficar cheio, e, 19 anos mais tarde, o nível começou a cair de modo constante.
Devido ao esgotamento do sistema do rio Colorado — que fornece a água consumida por um em cada oito americanos e rega um sétimo das plantações do país —, o lago Powell foi reduzido para menos de metade de sua capacidade, tornando-se incapaz de gerar o volume de energia previsto pelos construtores da barragem.
Mais de 606 bilhões de litros de água evaporam da superfície do lago Powell todo ano. Outros 454 bilhões de litros vazariam anualmente para fissuras na terra.
Isso representa “a maior perda de água do rio Colorado”, disse Beard. Seria água o suficiente para suprir necessidades de 9 milhões de pessoas por ano.
Mesmo assim, gestores de recursos hídricos contestam a ideia de que seria hora de mudar alguma coisa. Michael Connor, vice-secretário do Departamento do Interior e ex-comissário de recursos hídricos, diz que a barragem de Glen Canyon reduziu o sofrimento provocado pela estiagem.
“Veja o que aconteceu nos últimos 15 anos”, disse. “É o menor influxo de água da história, mas não faltou água no rio Colorado.”
Há também uma maré política a ser levada em conta: o delicado acordo de paz fechado entre sete Estados do oeste do país em 1922 e, mais tarde, com o México, que divide a água do rio Colorado entre eles. O receio era que nunca mais essas partes chegariam a um novo pacto desse tipo.
Mas desativar a barragem pode oferecer uma solução difícil de ignorar: uma nova fonte barata, imediata e abundante de água onde há necessidade urgente dela.
A ideia é a seguinte: como dois dos maiores reservatórios do país — o lago Mead e o lago Powell, a apenas 483 quilômetros de distância um do outro — são alimentados pela mesma fonte minguante de água, e cada um deles está com menos de metade de sua capacidade, eles deveriam ser unidos em um só. Para o hidrologista Tom Myers, que estudou a proposta a pedido de um grupo ambiental que defende a ideia, cerca de 677 bilhões de litros de água poderiam ser poupados a cada ano.
As comportas da barragem Glen Canyon seriam abertas, e a água atrás ficaria livre para passar, restaurando o fluxo naturalno Grand Canyon e drenando o lago Powell. Grandes extensões de terra hoje submersas seriam restauradas, e dezenas de sítios arqueológicos seriam revelados.
No entanto, o Bureau of Reclamation e ambientalistas discordam quanto ao volume de água que seria poupado com a combinação dos dois reservatórios.
Jim Lochhead, executivo-chefe da companhia de água que abastece Denver, disse que a desativação da barragem provavelmente exigiria a aprovação de uma medida pelo Congresso, um novo pacto entre os Legislativos de sete Estados, a revisão do tratado com o México e uma análise de impacto ambiental demorada.
“Seiscentos e dezessete milhões de metros cúbicos parece muita água”, disse, falando do volume de água poupado com a combinação dos reservatórios. “Francamente, não acho que seja um volume que justifique passar por tudo isso.”
Abraham Lustgarten é repórter do site de jornalismo ProPublica.